A quebra de um pacto entre o campo e a cidade é um aspecto fundamental da modernidade
nas letras brasileiras. Está na simplicidade atônita e genial de Rubião, em Machado de
Assis; no mea culpa do Joaquim Nabuco memorialista; na mudança de lado de Euclides
da Cunha, frente ao massacre Canudos. Está no sentido das viagens de Macunaíma, na
redescoberta dos poemas amazônicos de Mário de Andrade; é o principal motor do
ciclo narrativo de 1930; atravessa Guimarães Rosa para ressurgir em Macabea, de Clarice
Lispector. De certa maneira, esse é o horizonte literário no qual existo. O sujeito rural, a
vida na província, a viagem ao campo me servem para destacar nos romances que escrevi
até agora – Nosso grão mais fino (2009) e O sonâmbulo amador (2012) – questões que
acredito serem centrais na organização da vida brasileira.
Naturalmente, a maioria do que se publica hoje em dia, no Brasil, se passa nas cidades.
Porém, tenho a sensação de que a representação da sociedade patriarcal, como lugar ou
objeto para o qual converge a mirada crítica ou o sentimento nostálgico, traduz uma
visão parcial e urgente do fenômeno. A velha supermoderna indústria falida – têxtil ou
sucroalcooleira – produz, ela também, um repositório de mitos sobre a idade de ouro,
sobre o fausto, sobre a queda, sobre a degradação do caráter e dos afetos no tempo
presente. E essas relações de compadrio e favor ainda nos definem, mesmo nas cidades,
mesmo num espaço supostamente globalizado. Busquei retratar aspectos contraditórios
da vida íntima nesse mundo. E essa é um pouco também uma trajetória minha. Nasci numa
usina de açúcar, em 1971. Vivo na Califórnia desde 1995. Meus personagens transitam
entre o interior do estado de Pernambuco e sua capital, Recife. Estão sempre, de alguma
forma, viajando. Em ambos os casos, quis que a ênfase dos romances recaísse numa
tentativa de recuperação do passado,peloreencantamento de paixões e traumas latentes,
que julgamos superados ou invisíveis. O tema é velho. As vozes são outras. Espero que o
resultado seja interessante, e novo. |