© Fernanda Fiamoncini

A quebra de um pacto entre o campo e a cidade é um aspecto fundamental da modernidade nas letras brasileiras. Está na simplicidade atônita e genial de Rubião, em Machado de Assis; no mea culpa do Joaquim Nabuco memorialista; na mudança de lado de Euclides da Cunha, frente ao massacre Canudos. Está no sentido das viagens de Macunaíma, na redescoberta dos poemas amazônicos de Mário de Andrade; é o principal motor do ciclo narrativo de 1930; atravessa Guimarães Rosa para ressurgir em Macabea, de Clarice Lispector. De certa maneira, esse é o horizonte literário no qual existo. O sujeito rural, a vida na província, a viagem ao campo me servem para destacar nos romances que escrevi até agora – Nosso grão mais fino (2009) e O sonâmbulo amador (2012) – questões que acredito serem centrais na organização da vida brasileira.

   Naturalmente, a maioria do que se publica hoje em dia, no Brasil, se passa nas cidades. Porém, tenho a sensação de que a representação da sociedade patriarcal, como lugar ou objeto para o qual converge a mirada crítica ou o sentimento nostálgico, traduz uma visão parcial e urgente do fenômeno. A velha supermoderna indústria falida – têxtil ou sucroalcooleira – produz, ela também, um repositório de mitos sobre a idade de ouro, sobre o fausto, sobre a queda, sobre a degradação do caráter e dos afetos no tempo presente. E essas relações de compadrio e favor ainda nos definem, mesmo nas cidades, mesmo num espaço supostamente globalizado. Busquei retratar aspectos contraditórios da vida íntima nesse mundo. E essa é um pouco também uma trajetória minha. Nasci numa usina de açúcar, em 1971. Vivo na Califórnia desde 1995. Meus personagens transitam entre o interior do estado de Pernambuco e sua capital, Recife. Estão sempre, de alguma forma, viajando. Em ambos os casos, quis que a ênfase dos romances recaísse numa tentativa de recuperação do passado,peloreencantamento de paixões e traumas latentes, que julgamos superados ou invisíveis. O tema é velho. As vozes são outras. Espero que o resultado seja interessante, e novo.

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